Dois Papas

(2019)

Josh de Sá

2/19/20203 min read

CINEMA:
Dois Papas, dirigido por Fernando Meirelles (2019), adota como posicionamento central da trama a decisão de não nomear um herói e um vilão entre o Papa Francisco (Jonathan Pryce) e o Papa Bento XVI (Anthony Hopkins), deixando essa questão se estender por todo o filme. Assim, a forma de contar a história chega quase a ser irritante por ser contraintuitiva, uma vez que, o tempo todo, o filme contrapõe os dois pontífices — desde suas visões políticas e filosóficas até o futebol. Em diversos momentos, peguei-me frustrado por não conseguir solucionar o quebra-cabeça de “quem ele quer dizer que é o vilão e quem é o herói?”. Ainda assim, vejo isso como um discurso bem realizado não só por parte do diretor, como do roteirista (Anthony McCarten), que quase nos forçam a admitir que não há certo ou errado na história, mas apenas maneiras diferentes de ver o mundo.
Todavia, o que não se pode dizer sobre Dois Papas é que seja um filme “isentão” politicamente, já que deixa muito claro o Francisco como protagonista e o Bento como coadjuvante. Esse posicionamento também passa pela fotografia de César Charlone, que, de forma quase didática, comenta sobre a necessidade de uma mudança na abordagem e no ritmo com que a Igreja Católica lida com seus fiéis e com suas figuras sagradas e universais, imprimindo um ritmo mais acelerado e permeado por trechos de jornais de cada época. Mas a maior consequência de colocar um dos papas como protagonista é que passamos o filme inteiro aguardando uma cena que explique os motivos e a história que levaram o coadjuvante Bento XVI a tomar posições condenáveis quanto à pedofilia e à desigualdade social.
Por fim, vejo Dois Papas como um filme bem-sucedido pelo fato de colocar como discurso principal o posicionamento do Papa Francisco sobre a importância da empatia e do movimento de se colocar no lugar do outro, fazendo-nos vivenciar, por 125 minutos, a vontade de tentar compreender os motivos do Papa Bento XVI. Uma frase que, para mim, resume bem a direção tomada pelo filme vem de Francisco, quando afirma que “quando ninguém é o culpado, todo mundo é culpado”.

PSICOLOGIA:
Fazendo uma análise do filme como um todo, o embate entre os dois papas remonta perfeitamente às discussões que estudamos na história da Psicologia, em que William James rebate Charles Peirce de uma forma que, ao meu ver, ilustra a moral transmitida no filme de Fernando Meirelles: “O mundo real é incongruente, indeterminante, e os termos lógicos apenas marcam posições estáticas em um fluxo que, em parte alguma, é estático”. Esse posicionamento, é importante destacar, não descarta o quão louváveis e corretos são os pressupostos lógicos e matemáticos que permitem um aprofundamento sobre questões da existência, mas também evidencia como eles interrompem artificialmente o fluxo contínuo que é a vida.
Todavia, o que mais me tocou ao assistir ao filme foi a forma como é retratado o processo de mudança no ser humano — como, mesmo aquele que à primeira vista parece ser o vilão da história, também está em sua busca pessoal para ser quem realmente é. Nesse sentido, ao lembrar do momento em que o Papa Bento XVI diz que “quando sou eu mesmo, as pessoas tendem a não gostar de mim” e, mais ao fim do filme, quando ele reconhece ter pecado por não ter aproveitado a vida que Deus lhe deu, só consigo pensar que, assim como todos nós, ele estava apenas em uma busca para superar suas próprias incongruências.
Chegando ao fim, já que acabei conduzindo a análise para a questão do potencial humano, acredito que não exista melhor maneira de encerrar o texto do que com uma citação de Carl Rogers em seu livro Tornar-se Pessoa, em que afirma: “Isto se mostra evidente na capacidade do indivíduo para compreender aqueles aspectos da vida e de si mesmo que lhe estão causando dor e insatisfação, uma compreensão que investiga, por detrás do conhecimento consciente de si mesmo, aquelas experiências que escondeu de si devido à sua natureza ameaçadora. Isso se revela na tendência para reorganizar sua personalidade e sua relação com a vida em maneiras que são tidas como mais maduras”.

FICHA TÉCNICA:
- Ano do filme: 2019
- Direção: Fernando Meirelles
- Elenco: Jonathan Pryce, Anthony Hopkins, Juan Minujín, Sidney Cole, Lisandro Fiks
- Roteiro: Anthony McCarten
- Fotografia: César Charlone
- Som: Bryce Dessner
- Edição: Fernando Stutz
- Estudio: Netflix

REFERÊNCIAS:
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